segunda-feira, 28 de outubro de 2013

PT ENTROU DEFINITIVAMENTE PARA O CLUB DOS PRIVATISTA

“PT entrou para o clube dos privatistas e varreu a bandeira do Petróleo É Nosso”, diz cientista político

O leilão do campo petrolífero de Libra, na segunda-feira da semana passada (21), tem provocado debates internos no PT e ganha destaque nos encontros entre os candidatos ao cargo de presidente nacional do partido. Por outro lado, repercute nas redes sociais a decisão de Emanuel Cancella de abandonar a legenda. Secretário-geral do Sindipetro do Rio de Janeiro, ele divulgou carta na qual afirma que o leilão foi “a gota d’água que faltava para me afastar definitivamente de um partido que, a cada dia, se torna mais entreguista e neoliberal”.
O debate interno, porém, não irá muito longe, na avaliação do cientista político César Sanson. Para ele, o PT vem abandonando seus princípios programáticos desde que chegou ao poder, em 2002; e hoje os grupos localizados à esquerda do petismo já não têm mais força.
“Há muito tempo e em doses homeopáticas, o partido foi acostumando-se com as concessões programáticas e assimilando alianças que chegaram a incluir Paulo Maluf”, afirma o especialista na entrevista abaixo. “Libra é apenas um capítulo a mais nessa história.”

Sanson é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e colaborador do site do Instituto Humanitas Unisinos, para o qual produz análises de conjuntura. Ele afirma que o leilão contraria tudo o que programaticamente o PT construiu desde a sua origem e representa o fim da bandeira da O Petróleo É Nosso.
Poucos dias antes do leilão do campo de Libra, o senhor escreveu que seria a maior privatização da história brasileira e que, perto dela, a privatização da Vale do Rio Doce, no governo Fernando Henrique Cardoso, seria “fichinha”. Passado o leilão, mantém essa opinião?
Eu diria mais, que o leilão do campo petrolífero de Libra já pode ser considerado a privatização do século pelos valores monetários e o significado político. A Vale marcou decisivamente e emblematicamente o governo FHC, assim como Libra marcará a era Lula/Dilma. Com Libra e na esteira das concessões de rodovias e aeroportos, o governo do PT assume que os princípios liberais de mercado são constitutivos ao seu modo de governar. Os conceitos ‘parcerias público-privado’, ‘concessões’ e, agora, o ‘regime ‘partilhado’ completam a trilogia da versão petista de privatização. Libra é mais que a Vale não apenas pelo aspecto financeiro, mas também pelo aspecto simbólico. Com Libra varre-se do imaginário a consigna O Petróleo é Nosso.
O senhor não considera o argumento de que Petrobras não reúne condições técnicas, industriais, financeiras, para tocar sozinha a empreitada e por isso adotou o regime de partilha?
Esse talvez seja o argumento mais consistente da justificativa do governo para a privatização de Libra. Há, porém, enormes controvérsias. A Petrobras detém reconhecida tecnologia na área, não dependendo de ninguém para extrair o petróleo. Por outro lado, tem capacidade de capitalização gigantesca no mercado internacional exatamente em função das descobertas do pré-sal. Tudo indica que o argumento serviu para esconder uma decisão que se orienta pela pressa do governo.
Por que teria pressa?
Tem pressa em conseguir dinheiro para o ajuste de suas contas internas e para dar respostas, mesmo que incipientes, às jornadas de junho. 

O PT chegou ao poder se contrapondo às privatizações e criticando ações do governo FHC. Acha que a decisão sobre Libra contraria o programa e as promessas de campanha PT?
A decisão contraria frontalmente tudo o que programaticamente o PT construiu desde a sua origem. Goste-se ou não, é evidente que o PT mudou muito nesses últimos anos e a senha foi a Carta ao Povo Brasileiro de 2002. Para governar, o PT deixou de lado muitos dos seus princípios. As medidas anunciadas por Dilma Rousseff de caráter privatista, o tratamento parcimonioso para com as demandas dos movimentos sociais, os investimentos parcos nas áreas sociais contrastando com recursos volumosos despendidos para o pagamento dos encargos da dívida pública, o tratamento duro com os movimentos grevistas, a tolerância para com o agronegócio, a sempre e cada vez mais ampla política de alianças, as tentativas de derrogação da legislação de demarcação das terras indígenas, entre outros exemplos, demonstram que o PT agora no poder, pouco se distingue daqueles que sempre criticou. 
O leilão terá reflexos internos no PT?
Não. Há muito tempo e em doses homeopáticas, o partido foi acostumando-se com as concessões programáticas e assimilando alianças que chegaram a incluir Paulo Maluf e hoje aceitam até Kátia Abreu em seu palanque. Os petistas foram rendendo-se ao pragmatismo, rebaixando as exigências em nome da governabilidade. Libra é apenas um capítulo a mais nessa história toda. Alguns petistas pedirão a sua desfiliação, mas não provocará nenhum abalo interno. Note-se que nenhuma liderança de peso contestou a decisão. Pior ainda, ouviram-se até patéticos argumentos de que o PT é melhor que o PSDB até na hora de privatizar.
O senhor também escreveu que o leilão de Libra seria um divisor de águas na história do PT. Por que não se falou isso quando ocorreram  as concessões de rodovias?
É um divisor de águas na medida em que o partido assume definitivamente como programa de partido o princípio da privatização também em áreas estratégicas. As concessões de rodovias e aeroportos não têm o peso e a simbologia que o petróleo tem no imaginário político brasileiro, à ideia de soberania, autonomia energética. Como já disse, a consigna O Petróleo É Nosso foi varrida com Libra.
Dilma afirmou que os recursos obtidos com o leilão irão para a área social. Não é uma boa justificativa?
É o velho argumento de que os fins justificam os meios. O governo de FHC usou o mesmo argumento para torrar o patrimônio nacional. É mesmo bastante provável que parte dos recursos, inclusive a maior parte, vá para a área social. Mas isso é o mínimo que se espera. Absurdo é usar os recursos para o ajuste fiscal – superávit primário – hipótese levantada por muitos. Mas o governo não precisava privatizar para obter recursos para a área social, os recursos viriam da mesma forma se Libra ficasse sob a integral gestão do Estado. Com o açodamento o governo ganha no curto prazo, mas perde no longo. 
Não ocorreram grandes manifestações de protesto contra o leilão. Nada que fizesse o governo se sentir pressionado. A que atribui isso? Onde estavam os movimentos sociais e sindicatos que criticam a medida?
Na verdade a sorte do pré-sal foi lançada lá atrás, quando o governo Lula arquitetou o modelo de exploração do pré-sal por petrolíferas privadas. Os protestos deveriam ter sido feitos quando Lula preparou e deferiu a legislação da qual Dilma se legitimou para privatizar Libra. Aliás, Libra é uma obra a quatro mãos, de Lula e Dilma.
Por que não protestaram lá atrás?
Ninguém protestou lá atrás porque, diga-se criticamente, os petroleiros, a FUP (Federação Única dos Petroleiros), a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) estavam com o governo. Perderam força, chegaram tarde, e a sociedade rendeu-se ao argumento de que o dinheiro servirá parar enfrentar problemas estruturais como saúde, educação e mobilidade urbana.

O leilão terá reflexos na eleição presidencial de 2014?
Terá reflexos na medida em que forças políticas, como o PSDB, devolverão o troco. Dirão que sempre foram acusados de privatistas pelos petistas e esses agora fazem o mesmo. Irão procurar desqualificar o PT como o partido que diz uma coisa e faz outra. O PT, então, terá que explicar que ‘regime partilhado’ é diferente de privatização. É diferente na forma, mas no conteúdo, o resultado final é o mesmo, o patrimônio nacional, parte dele ou integral é destinado à exploração do mercado privado. Libra, entretanto, não alterará os rumos da eleição, o que define uma eleição é o conjunto da economia, particularmente a oferta de emprego.
Está dizendo que o PT passou para o clube dos privatistas. Mas ele ainda se qualifica como partido de esquerda.
O PT passou para o clube dos privatistas embora renegue e renegará isso até o fim dos seus dias. Como disse anteriormente, o ‘regime de partilha’ completa com as ‘parcerias público-privado’ e as ‘concessões’ a trilogia privatista do PT. Depois do desmedido aliancismo, depois da flexibilização do Código Florestal, depois da destruição da política de demarcação de terras indígenas, depois do esvaziamento da reforma agrária e agora com a privatização de Libra, fica cada vez mais difícil perceber o que resta de esquerda no PT.

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