Lições de FHC para o mundo
O Brasil deveria servir de exemplo para a União Europeia, às voltas com uma crise econômica derivada do excessivo endividamento de alguns de seus países-membros. Não o Brasil de Lula, Dilma Rousseff e do PT, mas o Brasil de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB.
Quem afirma isso é o editor sênior de Economia de um dos mais prestigiados jornais econômicos do planeta, o Wall Street Journal: o artigo de David Wessel foi reproduzido na edição do Valor Econômico da última quinta-feira.
Ele defende que, para enfrentar o problema de endividamento de seus integrantes, a União Europeia deveria adotar um programa de reestruturação de dívida similar ao que foi desenvolvido no Brasil no governo FHC. Em fins dos anos 90, a União assumiu o passivo de 24 estados (só Amapá e Tocantins não aderiram à época) e do Distrito Federal, todos então à beira da insolvência.
“Tensões entre o compartilhamento de uma moeda e um banco central, em meio à busca de políticas fiscais nacionais independentes, agora são dolorosamente evidentes [na Europa]. Alexander Hamilton [secretário do Tesouro americano em fins do século 18] entendeu isso. Assim como Fernando Henrique Cardoso, que foi presidente do Brasil entre 1995 e 2002. Os governos centrais do Brasil e dos EUA usaram a reestruturação das dívidas dos Estados para impor uma medida de disciplina fiscal e para aumentar o poder federal”, escreveu Wessel.
Vale recordar qual era a situação fiscal brasileira na época. Os estados brasileiros tinham dívidas monumentais roladas junto ao mercado em condições draconianas. A regra, então, era acumular passivos até o máximo possível e, uma vez ultrapassado o limiar, contratar mais um pouco de dívida. O rombo só crescia, legado às gerações futuras; bancos e empresas estatais eram usados na ciranda; e a capacidade de investimento das unidades subnacionais era nula.
Com a renegociação, isso mudou. Ao fim do processo, em 1998, a União tinha assumido R$ 100,4 bilhões em dívidas estaduais. Desses, R$ 77,5 bilhões foram refinanciados por até 30 anos, a uma taxa de juro real de 6% ao ano, com um teto para os desembolsos. Parte da dívida foi amortizada com recursos de privatizações, notadamente de bancos estaduais – tradicionalmente um sorvedouro de dinheiro público. A União ainda subsidiou em R$ 11 bilhões os estados, que ganharam condições de construir um futuro.
Alguns indicadores permitem ilustrar a evolução. Em 1998, as dívidas dos estados equivaliam a 2,18 vezes a sua receita líquida real; em 2009, a proporção já era de 1,58, de acordo com resultados consolidados disponibilizados pelo Tesouro Nacional. No mesmo período, os gastos com pessoal caíram de 68% da receita corrente líquida para 54%.
A despeito de uma ou outra discussão quanto ao peso desproporcional dos indexadores sobre o passivo renegociado, é notável a mudança de desempenho das finanças estaduais após a reestruturação. Em 1998, os estados tinham um déficit orçamentário de cerca de R$ 21 bilhões (em valores atualizados pelo IGP-DI até 2010). No ano passado, porém, já foram capazes de gerar um superávit nominal de R$ 2 bilhões – o que se tornou habitual desde 2007, com interrupção no recessivo 2009.
Os resultados alcançados pelas unidades subnacionais foram significativos, com reflexos indiscutíveis sobre o esforço fiscal do setor público como um todo: nos últimos anos, parte relevante do superávit fiscal e dos investimentos públicos é realizada pelos estados e pelos municípios, sem falar na sua contribuição para a redução do endividamento público global.
A renegociação das dívidas dos estados foi um importante marco da política econômica brasileira dos últimos tempos. Mas a ousada engenharia fiscal empreendida pelo governo Fernando Henrique não parou nela. Em 2000, também foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), até hoje tida como uma das mais avançadas do mundo: o Brasil foi o primeiro emergente a adotar uma legislação desta natureza, sob ferrenha oposição do PT.
“Quando os estados faliram, Pedro Parente, Clóvis Carvalho, Pedro Malan, Murilo Portugal e vários bons funcionários públicos conduziram uma detalhada negociação de refinanciamento. (…) O Brasil desenvolveu essas tecnologias de enfrentamento e solução de crises porque tinha um projeto: uma moeda estável, que encerraria décadas de super e hiperinflação. Enfrentou sozinho e em descrédito as dificuldades”, escreveu Miriam Leitão n’O Globo de ontem.
O rigor fiscal nascido das medidas implementadas no governo tucano desfruta de expressiva aprovação internacional. No ano passado, por exemplo, o Banco Mundial examinou as condições dos sistemas contábeis, a despesa pública e os processos licitatórios de vários países e deu ao Brasil 17 conceitos máximos nos critérios avaliados – mais do que os alcançados por quaisquer outros países. “Uma cultura sofisticada de controle, cumprimento e transparência foi estabelecida no setor público”, escreveram técnicos da instituição.
Para desgosto dos petistas, David Wessel, do Wall Street Journal, não duvida em atribuir ao arcabouço nascido da renegociação das dívidas estaduais, associado à LRF, uma das razões para que o país tenha resistido bem às crises posteriores. “O Brasil teve seus altos e baixos desde então, e essa não foi a única alteração significativa na política econômica, mas a medida de fato ajudou o país a suportar melhor a crise financeira de 2008 do que muitos outros”.
Ele também não titubeia em apontar um componente fundamental para o sucesso de uma empreitada desta natureza: a existência de um estadista à frente de sua adoção. “Ao contrário dos Estados Unidos e do Brasil, a Europa não tem – ainda – um governo central que funcione ou Estados prontos para criar um. Nem tem outro ingrediente vital – um líder do século XXI com a coragem e a sagacidade de Alexander Hamilton ou de Fernando Henrique Cardoso”. Não há trucagem histórica que apague isso.
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