quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A ARTIMANHA DE SATANAS

Na TV, Dilma falará em valorização da vida para driblar polêmica do aborto

Novo discurso será adotado já na reestreia da propaganda eleitoral, como parte da estratégia para recuperar votos perdidos

Vera Rosa, Renato Andrade / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
A estratégia traçada pelo comando da campanha de Dilma Rousseff (PT) para recuperar os votos perdidos após a polêmica sobre o aborto prevê um discurso de "valorização da vida" por parte da candidata do PT à Presidência. O novo tom aparecerá na reestreia do programa de TV de Dilma como um antídoto contra o aborto.
Celso Junior/AE

Reação. Dilma com Ciro Gomes em Brasília: ofensiva de aliados para impedir sangria de votos após polêmica sobre aborto
"Eu considero muito importante afirmar que o meu projeto, que foca nas pessoas marginalizadas, é a favor da vida", afirmou Dilma, ontem. "Eu sou e sempre fui a favor da vida. Se não fosse assim, não tinha colocado a minha vida em risco em determinado momento", emendou, numa referência à luta travada por ela contra a ditadura militar.
Ex-militante de organizações de extrema-esquerda, Dilma foi presa em 1970 e ficou três anos detida, em São Paulo. O tema foi tratado no primeiro programa de TV da candidata como uma espécie de escudo contra os previsíveis ataques à sua participação em grupos que pregavam a luta armada. Agora, ao repetir que é a favor da vida, Dilma também quer criar uma vacina no novo horário eleitoral, com reestreia prevista para sexta-feira.
Desde a última semana de campanha, no primeiro turno, a candidata do PT tem reiterado que é contra a legalização do aborto, na tentativa de estancar a sangria de votos entre cristãos. No último dia 29, ela se reuniu, em Brasília, com líderes católicos e evangélicos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a gravar um comercial dizendo que Dilma estava sendo vítima de mentiras vindas do "submundo da política". Agora, a estratégia consiste em tratar o assunto pelo lado da família.
"Nós não vamos ficar reféns de uma falsa polêmica, levantada de maneira pouco ética por nossos adversários e disseminada de forma insidiosa", disse o secretário-geral do PT, José Eduardo Martins Cardozo (SP), um dos coordenadores da campanha.
Depois de se reunir ontem com os governadores Eduardo Campos (Pernambuco), Marcelo Déda (Sergipe) e Cid Gomes (Ceará), todos reeleitos - além do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) -, Dilma seguiu o conselho dos aliados e destacou que vem "de família católica".
O capítulo "família" também reaparecerá no programa de TV da candidata, na tentativa de amenizar sua imagem. Ao fazer uma conexão entre o projeto de erradicação da miséria com a valorização da vida, Dilma expressou, mais uma vez, sua felicidade com o nascimento do neto, Gabriel, batizado na última sexta-feira. Em várias reuniões ao longo dos dois últimos dias, com Lula e Dilma, governadores da base aliada também foram incumbidos de procurar bispos e padres para reverter a onda contrária a Dilma na Igreja Católica.
"Eu acho que é preciso esclarecer os segmentos religiosos que estão em dúvida", admitiu o governador Eduardo Campos, que porá em prática a estratégia, hoje, ao participar da posse de um bispo na cidade de Salgueiro (PE). "Eu mesmo perdi votos entre evangélicos do Rio de Janeiro por estar apoiando Dilma", disse o senador eleito Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. "É bom, agora, termos mais tempo para mostrar que Dilma é contra o aborto."

Embora o 3.º Congresso do PT tenha aprovado, em agosto de 2007, resolução defendendo a descriminalização do aborto, o assunto nunca constou do programa de governo de Dilma. Em fevereiro, ao aprovar as "diretrizes" da plataforma da candidata, o 4.º Congresso do PT incluiu o "apoio incondicional" ao polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos. A terceira versão do documento indicava apoio ao projeto de lei que torna o aborto legal. O tema, porém, acabou excluído das diretrizes petistas.

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