Vivemos
imersos nos fatos. No mais das vezes, não temos plena consciência do que
está à nossa volta. Eis a importância do narrador, do cronista, do
moralista, do pensador. Ele não produz objetos de consumo, mas objetos
de consciência: liga os fatos aparentemente desconexos, confere ao tempo
uma unidade que ilumina a nossa trajetória e a dos outros. Por que isso
tudo?
Porque
considero obrigatória a leitura do livro “Não é a Mamãe”, do jornalista
Guilherme Fiuza, que reúne cem textos que ele escreveu para a revista
“Época” e para o jornal “O Globo”. Vocês vivem aqui me pedindo dicas de
livros, não é isso? Daqui a pouco, vem o fim do ano, com seus
inevitáveis e, espera-se, agradáveis presentes. Ofereça a seus amigos e a
quem você ama um pouco mais de clareza. Fiuza — antes de tudo, um
escritor competente — faz o mais preciso e, em certa medida, devastador
retrato dos quatro anos de governo Dilma. Devastador, nesse caso, não é
“depredador”. Depreda quem pensa sem método. Fiuza demole falácias com
argumentos.
O livro,
primorosamente editado pela Record, é, a um só tempo, um guia saboroso e
seguro para entender o que está em curso e, se querem saber, o que
virá. “Não é a Mamãe”, desde o título, nos dá o entendimento de
presente.
“Não é a
Mamãe”, lembrem os mais maduros e saibam os mais jovens, era o bordão do
bebê da família Dinossauro. Dilma nos foi oferecida como a mãe do
Brasil por Lula, que pretendia ser o pai. Lula e dinossauros se
estreitam num abraço insano. Não! Ela não é a mamãe, mas a madrasta má
do nosso futuro. Na realidade, afinal, não existe sapatinho de cristal.
Se o governo queima os ativos dos brasileiros, terminamos nas cinzas, no
borralho.
Olhem para
Guido Mantega, por exemplo, o ex-ministro no cargo, situação inédita no
mundo. E leiam o que vai no livro de Fiuza. Permito-me reproduzir um
trecho:
“Quem
estava preocupado com a inflação pode ficar tranquilo. (…) Diante da
notícia de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo tinha ultrapassado
o teto da meta – batendo em 6,51% ao ano em abril, contra o teto de
6,5% –, Mantega explicou que não é nada disso. Segundo o ministro, a
aferição da meta não considera a segunda casa depois da vírgula. Estamos
salvos. (…) Melhor olhar só para a primeira casa, onde a moral e os
bons costumes monetários estão intactos. Ali não se veem a orgia dos
gastos públicos no governo popular, a farra do crédito populista e os
subsídios mascarados do Tesouro jorrando dinheiro na praça e fustigando a
inflação. Essas cenas explícitas de administração perdulária só são
visíveis para quem espiar pela fresta da segunda casa depois da
vírgula.”
Texto
primoroso, ironia fina. Fiuza não é só um bom cronista da desordem
mental que marcou o governo Dilma na economia. O nosso Suetônio
contemporâneo também é um agudo observador dos costumes destes tempos,
em que patrulheiros antediluvianos saem de iPad nas patas a vituperar
contra o capitalismo e o mercado. Enquanto, é claro, para lembrar
Fernando Pessoa desancando Rousseau, o bestalhão, “mordomos invisíveis
administram-lhe a casa”.
Faça um
bem a si mesmo, leitor, e a seus amigos. Vá à livraria mais próxima e
compre “Não é a Mamãe’, de Guilherme Fiuza. O silêncio covarde com que o
livro foi recebido por veículos de comunicação assustados, esperando
Godot, é a prova da sua importância política. Ler “Não é a Mamãe” é um
ato de resistência contra a empulhação.